O
adiamento das eleições municipais em função da pandemia de covid-19 poderá
beneficiar candidatos com a ficha-suja. Na prática, a prorrogação abre caminho
para que políticos condenados por práticas ilegais até outubro de 2012 estejam
nas urnas em novembro, cenário que não ocorreria sem o adiamento do pleito. A
controvérsia vai ser analisada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e poderá
aumentar o número de postulantes a prefeito e a vereador aptos a pedir o voto
dos eleitores.
Parecer
elaborado pela assessoria técnica do TSE aponta que o adiamento das eleições
para novembro não pode barrar a candidatura de políticos enquadrados na Lei da
Ficha Limpa até outubro deste ano. Com base na legislação, um condenado por
crime eleitoral ou por crime comum em segunda instância fica impedido de ser
candidato por oito anos.
Condenados
por abuso de poder econômico e político são enquadrados pela lei por práticas
como compra de voto e uso indevido da máquina pública e não podem se candidatar
a cargos públicos por oito anos. De acordo com a área técnica do TSE, aqueles
condenados, por exemplo, por atos nas eleições de 2012 estariam barrados em
outubro deste ano, mas ficarão livres para se candidatar com a nova data da
votação, em novembro, e poderão concorrer nas próximas eleições.
Entre
os beneficiados pelo entendimento estão, principalmente, os condenados por
abuso de poder econômico ou político nas eleições municipais de oito anos
atrás, ocorrida no dia 7 de outubro de 2012. De acordo com a lei, caso o
primeiro turno do pleito de 2020 acontecesse no dia 4 de outubro, conforme
originalmente previsto, os condenados ainda estariam sob o período de
inelegibilidade.
Com
a prorrogação para o dia 15 de novembro, o entendimento é de que um ficha-suja
de 2012 não estará mais inelegível, uma vez que o intervalo entre as duas
eleições ultrapassa os oito anos estabelecidos pela lei. A regra vale também
para outras condenações, como por exemplo para quem foi condenado na esfera
criminal. Nesse caso, porém, o prazo da Ficha Limpa depende da data de decisão
de um tribunal de segunda instância, e não da data de eleições passadas.
Segundo
o parecer, os prazos de inelegibilidade devem observar o critério de contagem
data a data e não poderiam ser alterados pelo TSE, mas só pelo Congresso.
“Por
todo o exposto, consideram-se aplicáveis às Eleições 2020 as disposições das
Súmulas 19 e 69 deste Tribunal Superior (que trazem regras sobre a aplicação da
lei), de modo que a contagem dos prazos de inelegibilidade deve observância ao
critério dia a dia”, diz o documento dos técnicos. O parecer é consultivo, ou
seja, os sete ministros que compõem o TSE não são obrigados a seguir o
entendimento da área técnica do tribunal.
O TSE deve julgar nos próximos meses uma
consulta feita pelo deputado federal Célio Studart (PV-CE) com base em
questionamentos do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Conforme
o Broadcast Político antecipou, o Congresso Nacional se recusou a alterar a
regra sobre os prazos de aplicação da Lei da Ficha Limpa na proposta que adiou
o pleito de outubro para 15 de novembro (1º turno) e 29 de novembro (2º turno).
De
acordo com o parecer, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada pelo
Congresso focou no adiamento das eleições em função da crise sanitária e do
risco de disseminação do novo coronavírus. Uma alteração no prazo de aplicação
da Lei da Ficha Limpa, nesse caso, não poderia ocorrer por decisão do TSE. “Não
tendo o Congresso Nacional optado por postergar o prazo final das
inelegibilidades em razão da alteração da data do pleito para o mês de
novembro, entende-se não haver campo para que tal providência se dê no âmbito
desta Corte Superior”, diz o parecer.
De
acordo com o deputado federal Célio Studart (PV-CE), autor da consulta, “o
Congresso falhou, tanto o Senado quanto a Câmara, em não pormenorizar a
questão, apesar dos esforços”. No Senado, primeira Casa a votar a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) que adiou as eleições, os parlamentares foram
cobrados pela regra, mas decidiram não alterar os prazos da Ficha Limpa.
Em
uma sessão de debates no dia 22 de junho, com a participação de senadores e do
presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, o diretor do Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral, Melillo Dinis, solicitou a mudança, mas não houve
resposta.
“Aquele
que foi declarado inelegível por decisão da Justiça em 2012 pode, se adiarmos
por mais algum tempo, voltar a participar das eleições. E não me parece que
isso possa ser a ideia que nós vamos defender não só como sociedade, mas como
tribunal, como Congresso Nacional, porque, além da imagem das eleições como
espaço da democracia, nós temos que garantir que se destaque também o conteúdo
dessas eleições”, alertou Dinis.
No
parecer, a assessoria técnica do TSE considera ter havido uma escolha no
Congresso Nacional “pela manutenção das disposições legais e jurisprudenciais
aplicáveis ao caso”. O diretor de Assuntos Técnicos e Jurídicos da Presidência
do Senado, Carlos Eduardo Frazão, pontuou que o adiamento causa um
questionamento sobre os prazos da Ficha Limpa, mas que isso não poderia ter
sido determinado pelos parlamentares.
“Seria
um jabuti às avessas”, afirmou Frazão. “Ninguém está postergando porque quer
que determinados candidatos concorram. Está adiando porque estamos em pandemia.
”
*
Estadão
Segunda-feira,
10 de agosto, 2020 ás 11:00
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