Sobre a decisão unânime (7 a
0) do plenário do T$E que cassou o mandato do deputado federal Dallagnol, as
divergências são inúmeras entre juristas e até leigos. E ainda vai perdurar por
muito tempo, até que o Supremo Tribunal Federal ($TF) decida a questão,
definitivamente, caso o deputado cassado venha interpor recurso à corte.
Mas a decisão está de acordo
com a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990).
Dispõe a alínea “q” do artigo 1º desta referida lei que “São inelegíveis…os
magistrados e membros do Ministério Público que forem aposentados
compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por
sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na
pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos”.
Para o plenário do T$E, o caso
Deltan se enquadra na terceira e última hipótese prevista na alínea “q”: membro
do Ministério Público que tenha pedido exoneração na pendência de processo
administrativo disciplinar. É verdade
que no momento em que Deltan pediu exoneração não pendia contra ele um só
processo disciplinar.
Pendiam, sim, cerca de 15
queixas, representações e/ou petições de conteúdo congênere que poderiam, nos 6
meses seguintes, caso não houvesse a exoneração, se transformar em Processo
Administrativo Disciplinar (PAD).
Se tanto ocorresse, Deltan
estaria inelegível. Não poderia concorrer a cargo eletivo. Daí porque Deltan se
preveniu. Pediu exoneração. Deixou de receber 6 meses de salário. E no seu
entender, deixou de ser alvo de Processo Administrativo Disciplinar, fato que
impediria sua candidatura.
É justamente isso que
entenderam os 7 juízes do T$E. E os magistrados tinham embasamento legal para
fazer tal dedução? Sim, tinham sim. Tinham e continuam a ter. O artigo 23 da Lei da Ficha Limpa deixa ao
arbítrio subjetivo dos magistrados do TSE decidir por convicção própria. Ou
seja, por suspeitar. E não por provas produzidas. A conferir o artigo 23:
“O Tribunal formará sua
convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e
presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que
não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público
de lisura eleitoral”.
Eis o embasamento legal que
permitiu aos membros do T$E inferir, entender, deduzir que Deltan antecipou em
muitos meses seu pedido de exoneração, a fim de impossibilitar que a Justiça
Eleitoral instaurasse eventual(ais) processo(s) administrativo(s) contra ele em
consequências das 15 queixas e reclamações.
Mas deduzir, inferir,
entender, presumir, suspeitar e tudo mais que seja subjetivo é legal? É
constitucional? A resposta é não, não e não. Juiz julga com base nas provas
produzidas nos autos. Nunca fora dos autos. E nunca sem provas. E provas
válidas e concretas. No Direito Penal nem a confissão espontânea do acusado é
suficiente para condená-lo, caso não esteja acompanhada de prova. E prova
robusta. Prova insofismável. Prova precária para tornar a confissão relevante
não serve.
Este artigo 23 da Lei da Ficha
Limpa é inconstitucionalíssimo. Em nenhum diploma legal na ordem jurídica
nacional registra tamanha inconstitucionalidade. É urgente atirar o texto deste
artigo no lixo.
Deltan dispõe do Recurso
Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal. E embutido no Extraordinário
como preliminar, pode apresentar Declaração Incidental de
Inconstitucionalidade.
A previsão está no artigo 948
e seguintes do Código de Processo Civil. Dispõem que a parte recorrente pode
arguir a inconstitucionalidade de lei.
E quando a arguição ocorrer
perante o Supremo Tribunal Federal, serão ouvidos o Ministério Público Federal
e as partes, e após a Turma decidirá. E se a arguição for acolhida pela Turma,
a questão será submetida ao plenário do tribunal que dará a palavra final.
Registre-se que a arguição de
inconstitucionalidade no Recurso Extraordinário, não impede que Dallagnol
adentre ao mérito da questão. A arguição é mera preliminar. Precisa ser
ricamente fundamentada.
E para tanto não faltam
talento e experiência ao próprio Deltan Dallagnol e seus advogados.
*Jorge Béja
Terça-feira, 23 de maio
2023 às 12:53