Do
uso recreativo do aparelho excretor, até as presidenciáveis que trafegam no
labirinto machista da política, nunca antes na história deste país o sexo
esteve tão em evidência numa campanha
Tudo
tem a ver com sexo, menos sexo. Sexo tem a ver com poder. A cirúrgica frase,
citada na série House of Cards, serve de lâmina para a corrida eleitoral no
Brasil este ano. A dois dias do pleito mais tumultuado desde a
redemocratização, sexo e poder nunca estiveram tão adequados à posição de coito
político.
A
memória deve me garantir afirmar que nunca na história deste país, como diz
aquele outro, tivemos tantas questões ligadas à sexualidade cuspidas e
subestimadas pelos principais candidatos à Presidência desta República. Desde
quando começa a vida, ou o direito à mulher decidir fazer com o que traz no
corpo, até o uso recreativo do aparelho excretor, que há quem defenda que ele
só serve para eliminar fezes.
O
Brasil é uma nação que historicamente é uma adolescente deslumbrada com elogios
dos que vêm do além-mar e falam línguas estrangeiras aos ouvidos, sedentos por
seus recursos físicos, desde florestas vorazmente estupradas por madeireiros às
mulheres que economizam nas cobertas quando precisam mostrar o valor de seus
ataques e retrancas. Ninguém joga às escuras: sexo e poder.
O
dia 5 de outubro de 2014 também marcará a presença de três famintas por ajustar
ao corpo a faixa de líder de 202 milhões, talvez a par que correm o risco de
perder o equilíbrio entre poder e afeto, duas forças que se confrontam porque
duelistas e rivais. Mais que isso, e Dilma Rousseff (PT) sabe muito bem porque
já degustou tamanha autoridade, o trono encaixado em ambiente masculino.
O
trono outorgado por nós, brasileiros, por obrigação e não por vontade própria,
é assento em que a regência exige raciocínio lógico, acatos, renúncias,
inclusive de certas ferramentas do feminino. Isso se pensarmos no lado sombrio
do poder, mas a mulher que chega a este labirinto perversamente machista pode,
sim, manter alguns signos que a forjaram como tal.
Dilma
criou uma personagem para lidar com a rudeza de seu ofício: conjunto de blazer
com mangas três quartos, todos com cortes idênticos, calça sempre em acordo com
o tom da escolha para cobrir o tronco, e sapatos sempre baixos, sem cadarços, e
jóias semi-invisíveis. Nada que a transforme em Cristina Kirchner, ao menos no
que podemos enxergar.
Dilma
usa um uniforme que nubla sua sexualidade. Além disso, tornou-a uma mulher
assexuada que, de antemão, avisa em mesas de reunião no Palácio do Planalto ou
em plenário da ONU que o gênero nunca estará em questão no seu armamento
discursivo. Seria menosprezar seus genes e sua inteligência.
Marina
Silva (PSB), ainda sua principal concorrente, opta por outra armadura para o
confronto. Sacraliza-se como uma mulher do não, que nega a comunicação do seu
corpo. Ao contrário, busca a não-cor, a não-maquiagem, a não-ênfase, a
não-agressividade, nada que a feminilizaria ou, intrinsecamente, a fragilizaria.
Fragilizar-se é compatível com o cargo que essas senhoras almejam?
Marina,
assim, é um ser sem sexo que busca lutar de igual com os que são algo. O que a
trai é sua voz que se parte pelas sílabas que ela nem pensa em hifenizar,
denuncia insegurança ou subterfúgios para envelopar o ego. Uma fonoaudióloga ou
uma antropóloga quebraria esses paradigmas? A ver.
Luciana
Genro (PSOL), ao contrário, usa o cabelo com fios se rebelando entre si como
arma do feminino, arma-se de português impecável com todos os erres e esses
adequados aos pronomes pessoais e oblíquos que deseja atingir, e defende
claramente avanços objetivos em relação a aborto e sexualidade. Essa, sim,
pequena nas pesquisas, mas com grande empatia entre libertários, não se
preocupa sequer em alisar fios ou bons modos.
Três
mulheres e seus disfarces nítidos para acinzentar a concorrência com ternos
azuis marinhos e gravatas despersonalizadas dos homens, confortáveis no topo da
cadeia alimentar. No caso de Aécio Neves (PSDB) sublinhou a juventude e um sorriso
matematicamente treinado para aquecer hormônios femininos. Eduardo Jorge (PV),
o outro que merece ser citado nessa conversa, vem costurando o perfil de homem
sensível, engraçado, irreverente que ele, espertamente, sabe que é a
masculinidade em alta para as próximas temporadas. O homem que aceita seu
feminino.
Falou-se
de quase tudo na campanha deste ano, e pouco pareceu crível, da fala a
programas de governo escritos "a lápis". Parece que tudo é nada, um
Brasil gasoso para os próximos anos. O que realmente promoveu ebulições nas
redes sociais, sejam elas entre computadores ou entre lençóis, foram questões
diretamente ligadas a questões privadas, precisamente ao corpo. Músculos e
vísceras, além do astro do momento, o aparelho excretor, tendo que ouvir de
invasores o que podem ou não fazer. Querem mandar no que não tem ouvidos.
Até
quando a mulher vai pedir licença para ter filho, modificar seu corpo,
mutilar-se ou por que ainda se discute o que as pessoas querem fazer com as
entradas e saídas do organismo? Essa coisa que anda com a gente tem autonomia
para se divertir como, quando, com quem e quantas vezes quiser.
Não
tem pai, mãe, irmão, vizinho, marido, mulher, chefe, professor, síndico,
prefeito, policial, antropólogo, historiador, terapeuta, padre, pastor ou
quaisquer dos invisíveis que vão ter a violência necessária para controlar o
poder supremo que o corpo tem sobre si mesmo.
Você
pode até se camuflar, mas o cheiro que emana dos seus poros um dia vai lhe
denunciar. Você, afinal, não se veste para você. E, sim para o outro. Ele passa
mais tempo o observando que o contrário. Portanto, é o alheio que é sua presa
e, na igual proporção, seu caçador.
Sendo
restrito ao poder em si, pense nos desmanches das tramas políticas, aqui ou no
mundo. Quase sempre há sexo envolvido. Alguém que guardou fotos
comprometedoras, uma amante que não amava, uma ex-mulher traída com segredos
com potência de míssil.
O
cinema, o teatro e a literatura sempre fizeram muito bom uso disso, com suas
mulheres fatais e as quedas de ditadores diante de um par de peitos ou de um
pênis avantajado. Quando sair de casa da próxima vez pense que ao fechar sua
porta está abrindo um mundo de possibilidades de controle e de prazer.
Para
finalizar, cito o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que morreu há 114 anos,
e sua frase lapidar: “Uma vez tomada a decisão de não dar ouvidos mesmo aos
melhores contra-argumentos: sinal do caráter forte. Também uma ocasional
vontade de ser estúpido”. Poder é decidir se posicionar entre o caráter forte e
a estupidez. Pense também em sexo quando for votar neste domingo.
*João
Luiz Vieira é jornalista profissional há 25 anos, roteirista de TV, autor de
teatro, organizou o e-book Sexo com Todas as Letras, é sócio-proprietário do
site Pau Pra Qualquer Obra, e pós-graduado em Políticas Culturais e Educação
Sexual. Para falar com ele: vieiraluizjoao@gmail.com
Sexta-feira, 10 de outubro 2014.
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