A
operação que levou à prisão preventiva da ex-presidente do Tribunal de Justiça
da Bahia (TJ-BA) Maria do Socorro Barreto Santiago, sob acusação de venda de
sentenças, é um ponto fora da curva na história do Judiciário brasileiro.
Levantamento feito pelo Estado com base em informações do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) mostra que, dos 17 magistrados punidos pelo órgão entre 2007 e
2018 em casos de venda de decisões judiciais, apenas um foi julgado e alvo de
uma condenação criminal.
As
punições, no entanto, não costumam ter conformidade com a gravidade dos crimes
denunciados. Nestes últimos 11 anos, os magistrados que foram acusados de
receber vantagens em troca de sentenças, na maioria dos casos, sofreram apenas
punição administrativa – a aposentadoria compulsória (mantendo o salário mensal
de cerca de R$ 30 mil), escapando de qualquer punição civil (como pagamento de
multa) ou criminal (prisão).
A
divulgação desses processos é pouco transparente, uma vez que o CNJ não informa
quantos casos de venda de decisões judiciais chegaram ao órgão neste período.
Entre
estes 17 magistrados, a reportagem conseguiu localizar processos civis ou
criminais contra oito juízes e desembargadores, por delitos como corrupção e
improbidade administrativa, dos quais apenas dois foram julgados (um foi
condenado e outro, absolvido).
Em
três casos, os TJs e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se recusaram a
informar a existência ou não dos processos, sob a alegação de que os
magistrados estão protegidos pelo segredo de Justiça (imposto por seus próprios
pares). Os demais cinco magistrados não chegaram a ser alvo de denúncia e foram
agraciados com a aposentadoria compulsória.
“Não
vejo claramente a chance de que a punição dura a magistrados por venda de
sentença, como acontece na Bahia, seja uma tendência do Judiciário. É mais um
caso isolado”, disse o coordenador do Núcleo de Estudos de Justiça e Poder
Político da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Fabiano Engelmann.
Segundo ele, uma das principais dificuldades para a punição aos magistrados que
colocam a Justiça à venda é a falta de acesso às informações, motivada pelo
corporativismo.
O
único magistrado punido pelo CNJ que também foi condenado pela Justiça é o
desembargador Carlos Rodrigues Feitosa, do Tribunal de Justiça do Ceará. Ele
foi condenado à aposentadoria compulsória em setembro de 2018 e, em maio de
2019, o STJ o condenou à pena de 13 anos e oito meses de prisão pelo crime de
corrupção.
Feitosa
havia sido denunciado pelo Ministério Público Federal com mais nove pessoas,
incluindo seu filho, por acertar, a partir de 2012, um esquema de venda de
sentenças para pessoas acusadas de tráfico e homicídio. Conforme a acusação
formal, as decisões judiciais eram negociadas por meio de um aplicativo de
troca de mensagens e custavam cerca R$ 150 mil.
A
juíza Ana Paula Medeiros Braga foi punida com remoção compulsória pelo CNJ em
2012 depois que seu nome surgiu na Operação Vorax, da Polícia Federal, em 2008,
como uma das magistradas que favoreciam o ex-prefeito de Coari (AM) Adail
Pinheiro.
Áudios
captados pela PF serviram de provas contra Ana Paula, de acordo com a acusação.
Nas interceptações ela negocia o pagamento de aluguel do apartamento onde
morava, emprego para o namorado, viagem em avião particular e até camarote para
o desfile das escolas de samba do Rio.
Na
época, o relator do processo no CNJ pediu que a magistrada fosse punida com a
pena máxima de aposentadoria compulsória, mas outra parte do conselho decidiu
por uma punição mais branda: a censura, com a alegação de que ela apenas
reproduziu práticas comuns em cidades do interior e também deu decisões
contrárias à prefeitura de Coari. O resultado do julgamento foi a pena de
remoção compulsória.
Ana
Paula foi removida da cidade amazonense, a 360 quilômetros de Manaus, para a
comarca de Presidente Figueiredo, na região metropolitana da capital. A
punição, na época, foi vista por colegas da juíza como uma promoção.
Atualmente, ela atua em Manaus, para onde foi transferida pelo critério de
antiguidade.
A
juíza foi procurada por meio da assessoria do Tribunal de Justiça do Amazonas,
mas não quis se manifestar porque “considera que os fatos já foram devidamente
esclarecidos e apurados a seu tempo e entende que a Lei Orgânica da
Magistratura proíbe o magistrado de manifestar-se sobre processos, mesmo
arquivados”.
Alegou
demência – Outro caso é o do ex-ministro do STJ Paulo Geraldo de Oliveira
Medina. Único integrante de corte superior a ser punido pelo CNJ desde a
criação do conselho, Medina foi acusado de vender, por R$ 1 milhão, uma
sentença favorável à máfia dos caça-níqueis, em 2005.
Em
2010 ele foi aposentado compulsoriamente pelo CNJ mantendo os vencimentos de R$
25 mil por mês. O Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a abrir processos
contra ele, mas eles foram paralisados depois que o advogado de Medina, Antonio
Carlos de Almeida Castro, o Kakay, alegou demência do magistrado.
“Infelizmente,
essa acusação teve um efeito muito forte nele. Ele entrou em demência, hoje é
inimputável e os processos estão paralisados por causa disso. O que para os
advogados é muito ruim porque estávamos fazendo uma prova muito produtiva. Não
tem nada contra ele a não ser gravações do irmão dele que poderiam dar a
entender que o irmão usava o nome dele”, disse o advogado.
Na
terça-feira passada, a Procuradoria-Geral da República denunciou 15 pessoas que
foram alvo da Operação Faroeste, investigação de um suposto esquema de compra
de sentenças para permitir a grilagem na região do oeste da Bahia. Entre os
acusados pelos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro estão
quatro desembargadores e três juízes do Tribunal de Justiça da Bahia.
A
reportagem procurou a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para
comentar o tema, mas a entidade não quis se manifestar.
A
Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) também foi procurada e, assim
como a AMB, preferiu não comentar, diante do fato de que apenas um dos casos de
aposentadoria compulsória (Edgard Antônio Lippmann Júnior, do Paraná) se
referia a um juiz federal e ainda estava sendo julgado – o desembargador Paulo
Geraldo de Oliveira Medida, único ministro do STJ afastado, era juiz de
carreira de Minas Gerais, não um juiz federal. (Estadão)
Segunda
- feira, 16 de Dezembro, 2019 ás 11:00