O Congresso está às voltas com o Projeto
de Emenda Constitucional (PEC) que autoriza o cumprimento da pena (e seja que
pena for) após condenação criminal pela segunda instância. A pretensão é acabar
com a garantia prevista no artigo 5º, item nº LVII da Constituição que diz
“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”. E sabemos que até transitar em julgado, isto é, tornar-se
definitiva, a sentença penal condenatória poderá levar anos e décadas.
Poderá
até mesmo causar a prescrição da pena imposta, tantas são as manobras
protelatórias que a legislação permite.
Discute-se,
também, os efeitos de uma eventual alteração constitucional, caso a emenda
venha ser aprovada: se retroage, para alcançar os processos já instaurados e
que estão em andamento, mas ainda não findos, ou se passa a valer apenas para
os processos futuros, abertos após à promulgação da emenda.
De
início, é preciso levar em conta que a garantia constitucional do artigo 5º,
LVII da Carta da República constitui uma das normas pétreas e, como tal,
insusceptível de sofrer abolição, conforme dispõe o parágrafo 4º, IV, do artigo
60 da Constituição: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir….IV – os direitos e garantias individuais“. Aí reside um
primeiro obstáculo. Mas não é um obstáculo intransponível, estando a merecer
apenas aperfeiçoamento e adequação para assegurar a eficácia das condenações
criminais diante da prática de toda sorte de delitos e que a cada dia vai-se
tornando maior em nosso país.
Uma
solução plausível seria não abolir a garantia do artigo 5º, item LVII da
Constituição e mantê-la com a mesma redação dada pelos constituintes
originários. A garantia continuaria íntegra, vigente e pétrea. Mas para que o
cumprimento da pena criminal viesse a ocorrer após a condenação por um tribunal
(segunda instância) bastaria acrescer ao referido dispositivo constitucional, a
obrigatoriedade de o condenado, sempre dentro do prazo recursal, dar início ao
cumprimento da pena como condicionante para a interposição de recurso.
Exemplo:
se a pena imposta pelo tribunal for a de prisão, o apenado que pretende dela
recorrer, se obriga a dar início ao cumprimento da pena, recolhendo-se ao
cárcere no prazo recursal para, só então, ingressar com recurso para a chamada
terceira instância, que seria o Superior Tribunal de Justiça e/ou o Supremo
Tribunal Federal, eis que nada impede a impetração de ambos os recursos,
concomitantemente.
A
condicionante sugerida — o apenado iniciar o cumprimento da pena para obter a
admissão do seu recurso à(s) instância(s) superior(es) — poderia ser acrescida
num só parágrafo ao artigo 5º, nº LVI da própria Constituição, sugerindo-se
esta redação:
“LVII
– ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória.
Parágrafo
único – o trânsito em julgado de decisão penal condenatória proferida por
tribunal ocorrerá quando o condenado dela não recorrer ou quando o recurso
interposto não for precedido do início do cumprimento da pena no prazo
recursal”.
Observe-se
que o “caput” (a cabeça) do referido artigo constitucional foi preservado. A
norma permanece inteira, intocável e pétrea. Apenas foi-lhe acrescido um
parágrafo a merecer, da legislação ordinária e infraconstitucional — no caso o
Código de Processo Penal —, os detalhamentos do recurso à instância superior ao
tribunal que proferiu a condenação.
Dentre
eles, a possibilidade de se fazer constar no recurso, extraordinário para o STF
e Especial para o STJ, como preliminar, justificado, motivado e sólido pedido
ao ministro relator de concessão de liminar para suspender o cumprimento da
pena a que o réu-condenado se viu obrigado a se submeter para garantir o
direito de recorrer. No caso de prisão, por exemplo, para lhe dar liberdade,
até que o mérito do recurso interposto venha ser julgado pela turma ou pelo
plenário do tribunal.
No
tocante aos efeitos da aprovação da PEC relativa ao cumprimento da pena após
sua imposição por um tribunal (segunda instância), o debate que está sendo
travado no Congresso é bizarro. Isto porque até os formados em Direito, mas
reprovados no exame da OAB para obterem sua inscrição na entidade e poderem
advogar, até eles sabem e conhecem o basilar princípio do Direito Processual
segundo o qual as leis processuais, sejam penais, sejam cíveis, têm efeitos
imediatos e se aplicam a todos os processos em curso na data da sua publicação.
*Tribuna da Internet
Sexta-feira, 03
de julho, 2020 ás 18:00
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