Vivi
para ver as imagens, em Brasília, de um grupo de moristas de verde-amarelo
sendo xingado de petralhas e comunistas por um grupo de bolsonaristas também de
verde-amarelo. Óbvio, quem não suspeitava, Sérgio Moro era um infiltrado para
destruir a direita, corroendo-a por dentro. Tem sua lógica, né? Os últimos anos
da história brasileira parecem escritos pelo roteirista de Black Mirror.
Sinto-me permanentemente no interior de uma série da Netflix. Não é possível
tanto surrealismo… Aliás, é possível, sim. O surreal é o novo real.
O
fato é que o País não aguenta mais. Os brasileiros estão morrendo e a gente
continua submetida à tortura cotidiana das cenas de um bando de imbecis a
defender o indefensável, um presidente que, em vez de administrar a nação, a
está matando. Vejo esses sujeitos vociferando e tento aplicar anos de denso
conhecimento e estudo em sociologia para procurar conceitos que me ajudem a
entendê-los. Há dias em que desisto de entender. Só há um conceito: imbecilidade,
mas uma imbecilidade elevada à enésima potência, em superlativo,
ultraimbecilidade, hiperimbecilidade, imbecilidade ad infinitum.
Nem
queria escrever sobre eles desta vez, mas meu sangue ferve. O fato é, amigos,
que devemos entender que há um grupo (e não é pequeno) de bolsonaristas que
apoiará Bolsonaro até as últimas consequências. Gente que não só compartilha
seu projeto político, se não muito mais. Tem uma adesão emocional, psicológica
com ele. O bolsonarismo não é política, é uma forma de estar no mundo, uma
forma de entender o mundo e se entender no mundo. Compartilham seu ethos. O
bolsonarismo é religião, fé, afeto, opção de vida, união, grupo, coletivo, é
tudo. Para eles, negar Bolsonaro é negar a si próprios. São movidos
afetivamente pelo ódio e a destruição do alheio. São os misóginos, os racistas,
aqueles que odeiam tudo quanto não conseguem entender, pois, no fundo, são
seres limitados, pequenos, de uma mediocridade fatal. Estes eu os considero
inimigos, porque desejam a nossa aniquilação simbólica e até física. Com estes
não há conversa. É luta, e pronto. Não há como dialogar com quem me quer morta
ou silenciada.
Pensemos
nos demais. Na maioria. Vamos manter o foco em combater os fascistoides e
disputar a política com os outros, aqueles que votaram em Bolsonaro, mas não
têm esse pendor ao ódio, que votaram por decepção, por antipolítica, por
antipetismo, pela Lava Jato, por desesperança, que hoje estão arrependidos sem
saber para onde ir politicamente. Com os fascistoides não há diálogo. Com o
resto deve haver, obrigatoriamente, se quisermos sair deste poço. Estes são
órfãos políticos e afetivos. Não encontraram o que procuravam em Bolsonaro e
estão à espera de onde o encontrarão.
O
impeachment é uma obrigação política e moral, mas não devemos só retirar o
monstro do poder. Devemos criar as possibilidades sociais do diálogo, as pontes
necessárias para construir um novo consenso social. Devemos não só buscar
fórmulas de consenso institucional, mas também de consenso social. É imperativo
entender que há muita gente que depositou sua esperança em Bolsonaro e que hoje
estaria disposta a dar as costas a ele, mas não encontra uma alternativa real.
Devemos construir essa alternativa, devemos ser a alternativa.
Não
é suficiente bloquear Bolsonaro institucionalmente se não construirmos esse
consenso social, se não colocarmos sobre a mesa alternativas políticas com as
quais a população se sinta confiante. Não adianta pensar que temos as melhores
soluções para esta crise se não conseguirmos nos comunicar com a população. Não
faz sentido pensar que a opção progressista seria a melhor para os mais
excluídos e vulneráveis se não formos capazes, por exemplo, de dialogar com os
evangélicos periféricos que ainda apoiam Bolsonaro. Devemos criar redes,
caminhos, palavras, gestos de aproximação. Se não o fizermos, chegarão outros
monstros.
Basta,
não dá mais. Bolsonaro extrapolou todos os limites. Havia aquele que
imaginávamos que ele ultrapassaria e quem não ousava imaginar. A verdade é que
há muito tempo não dá mais. A situação é insuportável. Uma vergonha histórica.
Uma ignomínia, uma desonra que o Brasil carregará como um fardo durante muito
tempo. Vamos botar a mão na massa, vamos ao trabalho, vamos ao diálogo com a
maioria. É possível, é necessário, é urgente.
É
para ontem.
*Carta
Capital
Segunda-feira,
11 de maio, 2020 ás 15:00