Mais de mil municípios podem
deixar de ter estatais como prestadoras de serviços de saneamento porque as
empresas públicas não conseguiram comprovar que têm capacidade para atingir as
metas do novo marco legal do setor. O cenário abre espaço para empresas
privadas disputarem os serviços de água e esgoto sanitário nessas cidades, que
precisarão providenciar novos operadores enquanto encerram os contratos com as
estatais.
O levantamento foi feito pela
consultoria FT Economics, a partir de cruzamento dos dados do segmento, entre
eles da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA). Essa etapa do marco legal
foi elaborada para tirar prestadoras que não teriam arcado com os investimentos
necessários para a universalização da oferta de água e esgoto no País.
Atualmente, as estatais são as
principais operadoras do setor. Esse modelo, porém, não foi capaz de injetar
recursos suficientes para atender a população. Hoje, quase metade dos
brasileiros vive sem acesso à rede de esgoto e quase 16% não são atendidos com
rede de água. Pelas metas da lei, até 2033 as empresas precisam garantir o
atendimento de água potável a 99% da população e o de coleta e tratamento de
esgoto, a 90%.
Segundo o estudo, 28% do total
de municípios onde operam as empresas estaduais deixará de ser atendido por
essas companhias. Diante desse novo cenário, o marco legal incentiva que os
municípios promovam leilões para contratar um novo operador. O secretário
nacional de Saneamento do Ministério do Desenvolvimento Regional, Pedro
Maranhão, afirmou que o governo federal trabalha para que haja um período de
transição nesses locais, a fim de que as populações não fiquem desatendidas.
“Essas empresas públicas, bem ou mal, prestam serviços. E geralmente é mal,
tanto é que não comprovaram capacidade. Mas não se pode correr o risco de
amanhã ela suspender os trabalhos”, disse.
Capital da Bahia e quarta
cidade mais populosa do País, Salvador está entre os mais de mil municípios que
poderão ter de encontrar uma nova forma de prestação dos serviços de água e
esgoto. A capital baiana é atendida pela Empresa Baiana de Águas e Saneamento
(Embasa), mas o contrato com a estatal já está vencido. Segundo o novo marco
legal do saneamento, nessas situações de precariedade as prefeituras devem
buscar um novo operador.
Ao Estadão/Broadcast, a
prefeitura afirmou que o Plano Municipal de Saneamento Básico Integrado está
sendo elaborado e que o futuro da prestação de serviços de saneamento na
capital baiana está em discussão. “Após a conclusão de sua elaboração, o plano
será encaminhado à Câmara Municipal como projeto de lei para votação do Legislativo
que, após promulgação, irá regulamentar os serviços de saneamento no município.
Sendo assim, o tema ainda está em discussão”, afirmou a prefeitura. A Embasa
também foi procurada, mas não se manifestou.
O caso de Salvador exemplifica
um dos motivos que devem levar empresas públicas estaduais a perder
participação no setor de saneamento. Entre outras razões, está a reprovação dos
contratos pelas agências reguladoras no processo de comprovação de capacidade
econômico-financeira e a decisão de algumas das estatais de abrir mão de parte
de seus negócios.
Para Felipe Tavares, sócio da
consultoria FT Economics e responsável pelo estudo, o contexto de abandono é
resultado de erros das próprias estatais, que teriam negligenciado as
atividades ao longo do tempo e tornado a conta da universalização “cara
demais”.
Há ainda outros motivos que
abrem caminho para municípios procurarem novos operadores, como é o caso da
Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). No Estado, nove
municípios atendidos pela Sabesp poderão embarcar na busca. Ao
Estadão/Broadcast, a estatal afirmou que as cidades continuarão a ser atendidas
por ela até que decidam pela “eventual licitação” das atividades.
A companhia de saneamento
destacou ainda que a condição desses municípios não implica interrupção
automática do serviço, podendo a cidade manter a prestação por meio do atual
prestador pelo “período necessário para o efetivo encerramento do contrato e
para a transferência do serviço para novo prestador”, disse a estatal, que
busca “indenizações” pelos investimentos já feitos.
Dois motivos levaram os nove
municípios a essa situação. No caso de Águas de Santa Bárbara, Bofete, Dourado,
Nova Guataporanga e Socorro, as cidades não fizeram parte do processo de
comprovação da capacidade da estatal por não integrarem a unidade regional de
saneamento atendida pela Sabesp. O bloco foi criado por lei no ano passado,
junto de outros três, em atendimento à regra de regionalização dos serviços
imposta pelo marco legal. A lei reuniu 370 dos 375 municípios atendidos pela
estatal em São Paulo em um único bloco. Os cinco restantes foram distribuídos
para outras unidades.
Os outros quatro municípios
afetados (Agudos, Campo Limpo Paulista, Laranjal Paulista e Quintana) chegaram
a integrar o processo de comprovação econômico-financeira da Sabesp, mas as
prefeituras decidiram não assinar os termos aditivos para incorporação ou
adequação das metas de universalização.
Também há cidades que deixarão
de ser atendidas porque as estatais nem chegaram a apresentar os documentos de
comprovação de capacidade, lista antecipada pelo Estadão/Broadcast em janeiro.
Nesse caso, todos os contratos de municípios operados pelas companhias estão em
situação precária. É o caso de cidades do Acre, Amazonas, Maranhão, Piauí,
Roraima e Tocantins, por exemplo.
Segundo o secretário Nacional
de Saneamento do Ministério do Desenvolvimento Regional, Pedro Maranhão, o
governo fará contato com as prefeituras para ajudar na resolução e definição de
como um novo operador entrará na cidade. “Vamos atrás dos municípios para saber
como ajudamos nesse problema. Para ver se forma algum bloco, algum consórcio”,
citou Maranhão.
*O Estado de S. Paulo.
Terça-feira, 03 de maio 2022 às
13:40