A ação ajuizada pelo governo contra a retirada
do ar de perfis de redes sociais causou estranhamento no Supremo Tribunal
Federal (STF). Na avaliação de ministros, o presidente Jair Bolsonaro não
poderia ter entrado com pedido por meio da Advocacia-Geral da União (AGU),
porque o tema não é de interesse do governo, mas do próprio Bolsonaro. A
atitude também foi criticada por juristas, que veem uso político da estrutura
do governo.
Para
o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, a medida
representa “desvirtuamento total” do Estado Democrático de Direito.
Dipp
avalia que a AGU tem o dever de defender a União em casos de sua atribuição,
como matéria constitucional, tributária, administrativa.
—
Não adianta tentar tresmudar, disfarçar que é para defender a liberdade de
expressão, liberdade de comunicação, Estado Democrático de Direito. Isso é
politicagem pura para defender esses disseminadores de notícias falsas e
odiosas, incentivadoras da ruptura institucional — declarou o jurista, para
quem a ação é uma “anomalia jurídica” que não deve sequer ser aceita pelo
Supremo, por se tratar de “uma distorção de princípios constitucionais para
favorecer um fato concreto”.
Na
opinião de Mamede Said, professor de direito público da Universidade de
Brasília (UnB), o presidente “está tomando as dores de apoiadores dele”. Por
isso, caracteriza-se um “cruzamento indevido entre os interesses do Estado,
representados pelo órgão, e os interesses ocasionais, pontuais do presidente da
República”.
Apesar
de terem criticado reservadamente a decisão de Alexandre de Moraes de banir das
redes sociais contas de aliados de Bolsonaro, por considerarem a medida
“excessiva”, ministros do Supremo acreditam que a ação do governo não deve
prosperar. Se derrubarem a decisão de Moraes, estarão deslegitimando a própria
corte e dando razão para o governo. Em um momento de crise institucional,
ministros do STF preferem seguir unidos em defesa da Corte.
Não
é a primeira vez que o governo faz uso de sua estrutura para defender aliados.
No fim de maio, o ministro da Justiça, André Mendonça, entrou com um habeas
corpus no Supremo a favor do então ministro da Educação, Abraham Weintraub, pedindo
para retirá-lo do inquérito das fake news.
Entre
ministros da Corte, a iniciativa foi considerada inusitada. Em caráter
reservado, um integrante da Corte considerou o caso um “vexame jurídico”. O
pedido acabou rejeitado.
—
Acho que há realmente uso indevido (da estrutura do governo). O Ministério da
Justiça não pode ser um puxadinho dos interesses políticos do mandatário do
país. Foi uma coisa muito estranha, realmente inédita, você ver o ministério
ajuizando um habeas corpus tratando de interesses de pessoas investigadas,
sendo que boa parte delas não era nem de agentes públicos — disse Mamede Said.
*O
Globo
Segunda-feira,
27 de julho, 2020 ás 12:00