Lembro-me
que, nos idos dos anos 1970, na escola jesuíta em que estudava, quatro meninas
chegaram à sala. Foram as primeiras na, até então, escola de padres para
meninos. Os padres (que na época eram mais sábios, porque menos
"progressistas") decidiram por colocar garotas "aos poucos"
na escola.
O
colégio era um palco de brigas e competições. A monotonia da vida escolar era
quebrada apenas quando algum de nós começava a brigar para valer e, às vezes,
uma minibatalha campal se instalava no meio do campo de futebol. Esse ritual
tinha lá sua graça e diversão.
Quando
as meninas surgiram nas salas de aula, tudo mudou. A própria hierarquia entre
os meninos sofreu uma alteração gigantesca. Se antes "mandava" quem batia
mais e era mais dado às práticas do que hoje se chama "bullying", a
partir do momento que as lindinhas entraram na sala, quem "mandava"
passaram a ser aqueles por quem as meninas demonstravam interesse.
Hoje,
suspeito que naquele momento repetíamos algum tipo de ritual pré-histórico em
que a presença feminina implicava alguma forma sofisticada de poder que passava
pelo desejo que tínhamos de "possuí-las". Essa forma de organização
de poder num bando devia ser ancestral, pela força e delicadeza com a qual se
fazia sentir. Quanto mais ancestral é o poder, maior sua sutileza. Deus é um
discreto.
Imagino
que, hoje em dia, chatinhas e chatinhos chamariam isso tudo de
"machismo". Mas essas chatinhas e esses chatinhos não entendem nada
de mulher. Eu chamaria isso de permeabilidade ao poder feminino.
Semanas
atrás, nesta coluna, fiz referência a que, talvez, um dia, chegaríamos à
situação em que os homens ficariam impermeáveis às mulheres. Recebi alguns
e-mails de leitoras que afirmavam que isso já está acontecendo, que muitos
homens já são impermeáveis às mulheres. Tanto eu quanto minhas leitoras não nos
referíamos a gays, que são, por natureza, impermeáveis e inofensivos às
mulheres.
E
o que seria um homem impermeável a uma mulher? Um cara que sabe (ou acha que
sabe, como é comum neste mundo contemporâneo de modinhas de comportamento) que
não precisa de uma mulher para "ser feliz".
Ele
é autônomo em seu dia a dia, sabe cozinhar se for preciso (melhor do que as
meninas, que confundem ignorância na cozinha com liberdade), tem uma casa na
medida de suas necessidades, sabe administrar funcionárias de limpeza, sabe que
compra sexo fácil com garotas especializadas, inclusive em "ser namoradas
light", e que, quando quer uma mulher "amadora", tem sempre
alguma emancipada por perto –para quem nem precisa pagar o jantar, porque ela
se orgulha em fazê-lo.
Aliás,
isso de "gastar dinheiro com mulher" é uma coisa que esses homens
emancipados já resolveram. Só homens antigos imaginam que "devem"
algo a uma mulher. Pelo contrário, o mercado estando difícil como está, talvez
elas é que devam demonstrar felicidade pagando coisas para caras generosos.
O
homem emancipado é fruto da queima dos sutiãs. Não se sente obrigado a
satisfazer a mulher em nenhum nível que seja. Ainda vamos perceber que todo
discurso emancipatório se alimenta da libertação de qualquer vínculo. E do
ressentimento com a vida.
O
emancipado é um ingrato. É um solitário com grana para gastar e jamais um
sujeito que trabalha demais para satisfazer os desejos de alguma mulher, a
começar pelos que ela sente de ser mãe.
Num
universo como esse, quatro meninas numa sala de aula mal seriam percebidas,
porque o que estava em jogo ali era o convívio próximo. A intimidade da
conversa sobre a prova de matemática. O medo partilhado do professor terrível.
Além, claro, da graça com a qual elas sentavam nas cadeiras, antes ocupadas o
tempo todo por jovens chimpanzés.
Toda
a ópera da emancipação passa pela destruição da intimidade. A mulher emancipada
é uma invisível. O homem emancipado não quer se libertar do que as mulheres
carregam entre as pernas, quer se libertar do que as mulheres carregam dentro
de si. E isso, só se "vê" numa intimidade compartilhada, jamais num
mundo impermeável às neuroses do amor.
Luiz
Felipe Pondé
Segunda-feira,
19 de outubro, 2015.
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