É consenso que a corrupção é o grande
mal do Brasil. Segundo dados da ONU, são desviados 200 bilhões de reais de dinheiro
público por ano, uma verdadeira afronta em um país com índices alarmantes de
pobreza e de exclusão. O dinheiro do povo sai literalmente pelo ralo pelos
dilapidadores das verbas públicas.
Apesar de todo o esforço da Lava Jato,
ainda há muito a ser investigado, denunciado e julgado. É que os denunciados na
operação até o momento são acusados de terem desviado cerca de 10 bilhões de
reais, o que representa 5% (cinco por cento) da corrupção anual brasileira,
conforme estudo da Organização das Nações Unidas.
Não por outra razão, ouvimos falar em
estancar a sangria da operação, dando a impressão de ser impossível a
continuidade das investigações. Alguns defendem que se deve varrer a sujeira
para baixo do tapete e começar tudo novamente. Por incrível e ridículo que
possa parecer, ouvem-se vozes defendendo “quem roubou, roubou, daqui para
frente não rouba mais. ”
Na Itália, durante a operação Mãos
Limpas, houve a adoção de medidas semelhantes às tomadas recentemente no
Brasil. Entre elas, a criminalização da atividade cotidiana das autoridades
responsáveis pela apuração e julgamento dos crimes de corrupção. A tentativa é
punir o juiz por julgar, o promotor por denunciar e a polícia por executar a
prisão e investigar. Um verdadeiro contrassenso em um país onde a impunidade de
crimes graves campeia.
Antonio Di Prieto, magistrado italiano
responsável pela operação, foi acionado judicial e administrativamente de tal
sorte que não teve paz para continuar as investigações. Infelizmente, hoje a
Itália convive com índices de corrupção parecidos com os da época anterior à
operação Mãos Limpas.
Entre nós, no recente projeto do abuso
de autoridade aprovado pelo Congresso Nacional ainda persiste o crime de
interpretação, ao punir criminalmente o juiz que decretar a prisão de alguém se
o Tribunal a revogar. Também cometerá crime se não mandar soltar o preso
imediatamente e assim for reconhecido pelo Tribunal em grau de recurso.
A prevalecer esse entendimento, todas as
vezes que o Tribunal conceder Habeas Corpus a algum preso, o juiz estará
cometendo crime. É uma inversão das posições dos protagonistas de um processo.
O juiz passa a ser réu, e este passa a ser o acusador. Caso não haja veto do
artigo nono do referido projeto de lei, será exigir muito do magistrado a autorização
de qualquer operação, em um enorme favorecimento aos criminosos.
Essa possibilidade é concreta porque se
o Ministério Público não se manifestar no prazo legal, o réu poderá exercer o
direito de propor a ação penal. Isso gerará uma disfunção dentro do processo
penal porque entrega os atos da magistratura à análise do Ministério Público.
Não se sustenta a alegação de que o
Judiciário é quem julgará seus membros nos casos de abuso de autoridade. Essa
afirmação teria valor em caso do crime ser de abuso, não de interpretação.
Tirar a paz do juiz criminal não se justifica em um Estado que se quer afirmar
de Direito.
Da mesma maneira, é preocupante
transformar a atividade policial de algemar um preso em crime. A análise dessa
situação é instantânea, no calor dos acontecimentos, não sendo plausível que se
queira punir o policial por uma situação igual a essa, totalmente diferente de
torturar alguém para obter uma confissão judicial.
Apurar, denunciar e julgar crimes, em
especial de corrupção, são atividades cotidianas de delegados, promotores e
juízes e não podem e nem devem ser criminalizadas. O veto é uma necessidade
para quem deseja evitar tanta impunidade.
Por: Roberto
Veloso, juiz federal, foi presidente da Associação dos Juízes Federais do
Brasil (Ajufe).
Quinta-feira,
29 de agosto ás 12:00
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