Quando
propôs o pacto entre os três Poderes da República, em fevereiro de 2019, num
pronunciamento por ocasião da leitura da mensagem do presidente da República ao
Congresso, em que define suas metas de governo, o ministro Dias Toffoli,
presidente do Supremo Tribunal Federal, deu uma bela volta no presidente Jair
Bolsonaro e nos dirigentes das duas casas do Congresso, deputado Rodrigo Maia e
senador Davi Alcolumbre.
É
claro que Toffoli sabia que esse tipo de acordo é absolutamente inviável e até
impossível, porque o Supremo sempre haverá de prevalecer sobre o Executivo e o
Legislativo, porque uma de suas mais importantes funções é declarar a
constitucionalidade dos atos dos outros dois poderes.
Interessante
notar que no pacto não houve cláusulas escritas nem limites. A única
justificativa era possibilitar “governabilidade” ao novo governo, e isso
significava que cada poder faria o que bem entendesse e todos se ajudariam nos
objetivos comuns, como a impunidade das elites, o que incluía a inviabilização
da Lava Jato.
A
coisa funcionou bem, porque o Congresso boicotou o Pacote Anticrime do então
ministro Sérgio Moro e até aprovou normas a favor do crime, como a Lei do Abuso
de Autoridade. O Supremo fez a sua parte, ao aprovar a prisão somente após
condenação na quarta instância, colocando em liberdade Lula da Silva e José e
Dirceu, para depois engrenar uma guerra implacável contra a Lava Jato. Além
disso, o STF também tirou da Justiça Criminal o Caixa Dois, que virou
irregularidade meramente eleitoral.
O
Executivo, que a tudo aplaudia, especialmente a blindagem da família Bolsonaro,
deu segmento ao pacto neutralizando Sérgio Moro e a força-tarefa da Lava Jato,
com o inestimável apoio do patriótico site The Intercept Brazil e dos novos
ocupantes da Procuradoria-Geral da República, do Ministério da Justiça e da
Advocacia-Geral da União.
Tudo
ia bem, mas não existe crime perfeito nesse tipo de pacto, porque há uma norma
muito mais ampla do que a genial Teoria dos Poderes delineada pelo Barão de
Montesquieu: “Tudo tem limites”, diz essa regra, que jamais pode deixar de ser
seguida em democracias.
É
por isso, que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) já
renasceu e está semeando novamente o pânico na bancada da corrupção, a partir
dos cheques da primeira-dama Michelle Bolsonaro, que aliás nem compareceu à
missa de sétimo dia da avô.
E
de repente, em meio à ressureição do Coaf e à resistência da Lava jato, chegou
o momento de o Supremo estabelecer os limites desse abominável pacto entre os
três Poderes.
Por
exemplo, terá de julgar se os presidentes da Câmara e do Senado poderão ser
reeleitos inconstitucionalmente, com base num parecer fajuto da Consultoria do
Congresso. Isso é parte fundamental do pacto.
Além
disso, o STF precisará decidir os limites do procurador-geral, que comanda
administrativamente a instituição, mas não tem poderes legais para pressionar
nem influir no trabalho dos procuradores da Lava Jato. E no mesmo caso está o
diretor-geral da Polícia Federal, em relação ao trabalho dos delegados.
O
Supremo terá de julgar também sobre o foro privilegiado do senador Flávio
Bolsonaro, sobre a prisão do operador Fabricio Queiroz e sua mulher, sobre o
afastamento do governador Wilson Wetzel sem direito de defesa, sobre a criminalidade
das fake news do Gabinete do Ódio, é um nunca-acabar.
*Tribuna
da internet
Quarta-feira,
02 de setembro, 2020 ás 11:00