Um
desejo antigo dos parlamentares é aumentar os recursos de todos os fundos
destinados às atividades partidárias. As regras de uso das verbas já
existentes, no entanto, apresentam brechas que permitem que o dinheiro público
seja utilizado em pagamentos que vão além de despesas do dia a dia.
Em
2018, os diretórios das legendas compraram carros de luxo. Uma das aquisições
mais caras foi feita pelo MDB de Santa Catarina, que usou o dinheiro do Fundo
Partidário na compra de um Chevrolet Trailblazer no valor de R$ 150 mil.
A
prática de comprar carros e imóveis não estava clara nas regras do fundo. No
fim de setembro, o presidente Jair Bolsonaro sancionou projeto que regulamentou
essas aquisições. Só no ano passado, os partidos gastaram um total de R$ 893
mil da verba na compra de veículos. Deste total, oito compras custaram mais que
R$ 50 mil.
DE
LUXO E EXECUTIVOS – A maioria dos veículos com esse valor é enquadrado em
grupos de “luxo” ou “executivo” em sites de aluguel de carros, o que pode fazer
com que as compras sejam questionadas pela Justiça, segundo especialistas. As
siglas, por sua vez, alegam que as aquisições foram feitas dentro da lei e para
uso restrito das legendas.
O
Republicanos lidera o uso do fundo para compras de automóveis em 2018. No ano
passado, os diretórios da sigla desembolsaram R$ 379,3 mil com carros. O diretório
do Distrito Federal adquiriu uma maxivan, usada, JAC T8, também com sete
lugares, ao custo de R$ 62 mil. O carro foi comprado de um ex-funcionário da
liderança do partido na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Já
a direção nacional comprou um modelo igual ao usado por Bolsonaro, um Ford
Fusion, zero quilômetros, por R$ 140 mil, além de um Volkswagen Virtus por R$
73,59 mil para usar na sua sede, em Brasília.
PT
– A segunda legenda que mais aproveitou o Fundo Partidário para compra de
carros em 2018 é o PT. O partido gastou R$ 126 mil. Mais da metade deste valor
foi consumido pelo diretório de Goiás na compra de um Renault Duster Dynamique,
de R$ 68 mil. O terceiro na lista é o PL, que bancou R$ 116 mil.
Em
2017, os gastos dos partidos para comprar automóveis foram ainda maiores –
chegaram a R$ 1,173 milhão. O carro mais caro naquele ano custou R$ 165 mil,
comprado pelo PRP, partido que se fundiu ao Patriota.
CAPACIDADE
DE FISCALIZAÇÃO – Para o cientista político Marcelo Issa, diretor executivo da
Transparência Partidária, a mudança na legislação pode reduzir a capacidade de
fiscalização. “A Justiça Eleitoral deve sempre avaliar a economicidade da
despesa e a compatibilidade do gasto com as finalidades do fundo partidário do
ponto de vista substantivo”, disse. “A nova redação é genérica e, portanto,
mais permissiva, aumentando a discricionariedade dos partidos quando da
aquisição desse tipo de bem”, afirmou.
Eduardo
Damian, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-RJ, afirma que é
preciso “bom senso”. “O automóvel não pode ser um carro de luxo, que preencha
mais o interesse do dirigente partidário do que da própria sigla. Não dá para
comprar um veículo importado e colocar cadeirinha de criança no banco de trás”,
disse.
“MESADA”
– O Fundo Partidário é uma espécie de “mesada” com dinheiro público para bancar
despesas do dia a dia dos partidos, como aluguel de imóveis, passagens aéreas,
eventos e salários de funcionários. Os 32 partidos registrados no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) devem receber, por este canal, R$ 959 milhões em 2020,
conforme a proposta de Orçamento enviada pelo governo ao Congresso. As siglas
ainda ganham dinheiro do fundo eleitoral, que tem como objetivo financiar as
campanhas.
Além
de deixar mais claro o aval para “compra ou locação de bens e imóveis” com
dinheiro do fundo partidário, a lei sancionada por Bolsonaro permite que um
político acusado de caixa 2 em campanha use a verba para bancar a própria
defesa. O Estado mostrou que pagamento de advogados por partidos cresceu 48% em
2018 em relação ao ano anterior – foi de R$ 34,43 milhões para R$ 50,92
milhões. A articulação para mudar a legislação eleitoral foi uma resposta da classe
política a decisões da Corte Eleitoral, que vinha endurecendo posições sobre
uso do recurso.
BRECHAS
– O advogado Bruno Rangel, ex-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da
OAB/DF, no entanto, considera que a nova redação sobre uso do fundo eleitoral
não aumenta brechas para caixa 2. “Se ocorrer, vai continuar sendo fiscalizado
e punido por órgãos de controle”, disse. Para Rangel, a própria competição
entre os partidos já funciona como barreira. “Se o partido gastar mal, com a
cláusula de barreira, fatalmente vai deixar de existir.”
Bolsonaro
vetou alguns trechos da minirreforma, como a retomada da propaganda partidária
na TV e no rádio e a anistia a multas aplicadas pela Justiça Eleitoral. Os
vetos ainda podem ser revistos pelo Congresso.
DEFESA
– Procurado, o Republicanos alegou que a venda do JAC T8 foi feita por um
correligionário que trabalhou na sigla quatro anos antes do negócio ser
fechado. “Não há nenhuma irregularidade na transação, que é pública”, disse o
partido.
A
sigla ainda afirma que comprou um veículo de grande porte no Pará para
enfrentar estradas em condições precárias. Os demais diretórios e legendas não
responderam.
(Camila
Turtelli/Mateus Vargas/Estadão)
Sexta-feira,
25 de outubro ás 00:05
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