A
senadora, ex-prefeita de São Paulo, ex-deputada federal e ex-ministra Marta
Suplicy, 73, vive seus últimos dias no Senado. Em agosto, ela anunciou que
estava encerrando a carreira política, não disputaria a reeleição e sairia do
MDB, seu partido desde 2015.
Ela
disse à Folha de S.Paulo que não sabe ao certo o que fará quando acabar o
mandato, mas pensa em trabalhar com o que gosta: defesa de direitos humanos,
LGBTs e mulheres. Cogita participar de um programa de TV ou ter um canal no
YouTube.
“Não
quero mais ser candidata a nada, mas quero continuar na política.”
Petista
por 33 anos, ela hoje compartilha das críticas feitas ao partido pelo rapper
Mano Brown e pelo senador eleito Cid Gomes (PDT-CE) e afirma que Lula
“escanteou de forma vil” o presidenciável Ciro Gomes (PDT), em quem votou.
Pergunta
– Por que não tentou a reeleição?
Marta
– No dia de vir para Brasília, eu não tinha vontade. Ir para o aeroporto era um
suplício. Estava totalmente desmotivada, diante da política deteriorada, das
vendas de emendas que eram noticiadas, dos projetos favorecendo grupos. Aquilo
foi me dando ojeriza. Aí caiu a ficha: o mundo mudou, posso fazer hoje de outro
jeito. O Senado não é mais uma caixa de ressonância. Fora eu também posso
influenciar.
Está mesmo se aposentando?
Marta
– Eu não quero mais ser candidata a nada, mas quero continuar na política.
Tenho uma bagagem e posso acrescentar muito ainda.
Surpreende
a sua decisão porque é incomum um político em idade ativa se aposentar.
Marta
– Mas eu nunca fiz nada muito comum. Nem na vida pessoal nem na pública.
Pesou
na decisão a possibilidade de a senhora enfrentar na eleição para o Senado o
vereador Eduardo Suplicy (PT), seu ex-marido?
Marta
– Não seria uma coisa agradável familiarmente, né? Teria um peso, mas não foi
isso.
O
fato de ser uma política tradicional e de ter seu nome atrelado a PT e MDB,
partidos investigados, interferiu na decisão?
Marta
– Avaliei. Eu tinha um perfil de já ter feito a transição do PT, mas o MDB
também está muito atolado em complicações e isso podia ser utilizado contra
mim. Mas não foi isso a causa da decisão, porque eu iria à luta, não tenho nada
a ver com isso.
A senhora se sentia
isolada no MDB?
Marta
– Não, fui bem recebida. Tenho ótima relação com os senadores, o Renan
[Calheiros], a Simone [Tebet], o [Waldemir] Moka. Fiz boas amizades. Gosto
muito do [Romero] Jucá, acho um grande quadro político. É uma pena que ele não
tenha sido reeleito e esteja também com processos complicados.
Onde a senhora se localiza
no espectro político?
Marta
– A nomenclatura esquerda e direita há muito tempo não se sustenta. Eu mesma
sou de esquerda em valores, mas não sou mais na economia. Mudei.
Essa
degradação política que a senhora menciona, na sua avaliação, tende a
permanecer?
Marta
– Houve o distanciamento da classe política com a população, o envolvimento na
corrupção e a dificuldade em lidar com as questões da segurança. A eleição do
Bolsonaro, uma pessoa com ideias opostas, é a consequência. Por isso eu acho
que o Mano Brown tem razão. Ele colocou o PT, mas eu ampliaria para os
políticos em geral [o rapper disse que, se o PT “não conseguiu falar a língua
do povo, tem que perder mesmo”].
Quando
a sra. se filiou ao MDB, em 2015, disse que queria um país livre da corrupção.
Não via indícios de que ali também havia desvios?
Marta
– Do jeito que depois ficou aparente, não. Que tinha pessoas como o [Eduardo]
Cunha, o Geddel [Vieira Lima], não. Tinha falação, alguns sendo indiciados, mas
não tinha a dimensão que ganhou depois. A corrupção sempre existiu, mas se
agigantou nos governos petistas. O PT tem que aceitar isso. O Cid Gomes falou
tudo certo, concordo plenamente [ele disse que o PT “tem de pedir desculpa, ter
humildade” e reconhecer que fez “muita besteira”].
O
PT fará essa autocrítica algum dia? Haddad ensaiou fazer isso durante a
campanha.
Marta
– Haddad não é PT. Não é orgânico.
Mas
era o candidato do PT à Presidência.
Marta
– Ele foi candidato porque não tinha outro nome. Na verdade, se prestou a um
papel que, como o Lula devia saber, não ia dar certo. Quem é mais esperto nisso
é o Lula, não somos nós.
Que papel Lula teve nesta
eleição?
Marta
– Tétrico. Ele focou na pessoa dele e escanteou de forma vil o Ciro Gomes, que
era a candidatura com a qual as esquerdas poderiam talvez ter tido alguma
chance. Eu própria votei no Ciro, porque achei que ele tinha o melhor discurso.
Mas o Lula não permitiu isso. Ali ele selou o destino das esquerdas.
Qual o sentimento da
senhora hoje em relação a Lula?
Marta
– [Fica em silêncio por seis segundos] Vou tentar ver dentro. [Mais nove
segundos calada] Ele fez tanta coisa boa, que pena que tenha estragado tudo.
Não podia ter feito isso com a esperança do povo. O sentimento é de
desapontamento.
No segundo turno, em quem
a senhora votou?
Marta
– Eu votei pela democracia. [Pronuncia o mote dos atos anti-Bolsonaro] Ele não.
Posso entender Haddad?
Marta
– Você vai entender do jeito que eu falei [risos]. Votei pela democracia.
Bolsonaro
pode representar risco para a democracia?
Marta
– Espero que não. Nós temos instituições fortes, temos militares do lado dele
que prezam a democracia.
O
vice dele, general Hamilton Mourão, já falou no passado sobre possibilidade de
intervenção militar e sobre autogolpe.
Marta
– O vice dele é meio fora da casinha. Mas de vez em quando ele dá umas
declarações que eu gosto. A interpretação dele sobre o Magno Malta é perfeita
[Mourão disse que o senador se tornou um “elefante na sala” depois de ter
rejeitado ser vice de Bolsonaro e que agora o governo “tem que arrumar um
deserto para esse camelo”].
Prefere esperar para ver
como será o governo?
Marta
– É um mundo muito novo. Não sou contra o que pode acontecer. Podemos ter uma
mudança significativa que pode começar com um viés autoritário e conservador,
mas eu não creio que o rumo que irá tomar será necessariamente ruim. Tenho
esperança em um Brasil que descubra um novo jeito de fazer política. E, se há
alguma pessoa que pode fazer isso, é uma pessoa com o perfil do Bolsonaro, que
não tem compromisso com nenhum partido, com toma lá, dá cá. É uma
possibilidade, mas precisa ver o preço que isso vai ter em termos de
autoritarismo.
Casais gays têm corrido
para se casar com medo de perderem esse direito. Existe o risco?
Marta
– Essa precipitação não é necessária. Acho que é um direito no qual não haverá
retrocesso. O que nós teremos em relação aos homossexuais é um aumento da
violência. Na hora em que o líder posa fazendo gestos violentos, é como se
liberasse isso.
Onde pode haver
retrocesso?
Marta
– No aborto. Já tentaram muitas vezes passar uma legislação contrária e vão
tentar de novo. Uma das funções do Senado vai ser cuidar para que não haja um
retrocesso civilizatório.
E a situação da mulher?
Marta
– Questão de gênero tem a ver com patriarcado, não tem a ver só com
sexualidade, como ficam falando. O medo de levar a questão para a escola é
discutir a relação homem e mulher, e isso mexe com a autoridade masculina. Eles
transformam isso em uma questão que “ah, vai fazer criança virar trans”. Isso é
de uma ignorância profunda. Ninguém vira trans, ninguém fala que vai virar
homossexual na quarta-feira. É esse pensamento autoritário que norteia o Escola
sem Partido, que é outra bobagem, mas remete ao fato de as crianças não estarem
aprendendo. Mas não é porque o ensino é ideologizado, é porque o professor tem
uma formação péssima. O que se devia exigir é a escola com muitos partidos, que
debata política, gênero e outros assuntos.
Mas a sra. diria que parte
dos professores pratica doutrinação?
Marta
– Acho que pode ter alguma coisa nesse sentido. E não é positivo. Mas, olha, se
eu fosse ser o que a minha escola de freira me ensinou, eu não estaria aqui
hoje [ela estudou no colégio católico Des Oiseaux]. Não se pode subestimar o
aluno. Ele vai ouvir e buscar outras fontes de informação. O professor pode
fazer a propaganda que quiser, que o adolescente vai questionar.
Sai satisfeita do Senado?
Marta
– Sou uma personalidade executiva, gosto de pôr a mão na massa, de ter o povo o
tempo todo. Mas tive uma experiência legislativa profícua. Expandi minha área
para além dos direitos humanos, fui uma senadora voltada para os municípios.
Aprovamos na Comissão de Justiça o projeto de lei do casamento gay, que desde
2017 está no plenário para votar.
Acha possível votar neste
ano?
Marta
– Estou avaliando. O Legislativo continua temeroso. Quem avança é o Judiciário,
que liberou o casamento homo afetivo, o aborto de anencéfalos. Então os meus
projetos são aprovados, mas só que pelo Judiciário! (FolhaPress)
Segunda-feira,
12 de novembro, 2018 ás 18:00
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