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12 de novembro de 2018

Mano Brown e Cid Gomes têm razão, diz Marta Suplicy ao criticar PT e outras siglas

A senadora, ex-prefeita de São Paulo, ex-deputada federal e ex-ministra Marta Suplicy, 73, vive seus últimos dias no Senado. Em agosto, ela anunciou que estava encerrando a carreira política, não disputaria a reeleição e sairia do MDB, seu partido desde 2015.

Ela disse à Folha de S.Paulo que não sabe ao certo o que fará quando acabar o mandato, mas pensa em trabalhar com o que gosta: defesa de direitos humanos, LGBTs e mulheres. Cogita participar de um programa de TV ou ter um canal no YouTube.

“Não quero mais ser candidata a nada, mas quero continuar na política.”

Petista por 33 anos, ela hoje compartilha das críticas feitas ao partido pelo rapper Mano Brown e pelo senador eleito Cid Gomes (PDT-CE) e afirma que Lula “escanteou de forma vil” o presidenciável Ciro Gomes (PDT), em quem votou.

Pergunta – Por que não tentou a reeleição?

Marta – No dia de vir para Brasília, eu não tinha vontade. Ir para o aeroporto era um suplício. Estava totalmente desmotivada, diante da política deteriorada, das vendas de emendas que eram noticiadas, dos projetos favorecendo grupos. Aquilo foi me dando ojeriza. Aí caiu a ficha: o mundo mudou, posso fazer hoje de outro jeito. O Senado não é mais uma caixa de ressonância. Fora eu também posso influenciar.

Está mesmo se aposentando?

Marta – Eu não quero mais ser candidata a nada, mas quero continuar na política. Tenho uma bagagem e posso acrescentar muito ainda.

Surpreende a sua decisão porque é incomum um político em idade ativa se aposentar.

Marta – Mas eu nunca fiz nada muito comum. Nem na vida pessoal nem na pública.

Pesou na decisão a possibilidade de a senhora enfrentar na eleição para o Senado o vereador Eduardo Suplicy (PT), seu ex-marido?

Marta – Não seria uma coisa agradável familiarmente, né? Teria um peso, mas não foi isso.

O fato de ser uma política tradicional e de ter seu nome atrelado a PT e MDB, partidos investigados, interferiu na decisão?

Marta – Avaliei. Eu tinha um perfil de já ter feito a transição do PT, mas o MDB também está muito atolado em complicações e isso podia ser utilizado contra mim. Mas não foi isso a causa da decisão, porque eu iria à luta, não tenho nada a ver com isso.

A senhora se sentia isolada no MDB?

Marta – Não, fui bem recebida. Tenho ótima relação com os senadores, o Renan [Calheiros], a Simone [Tebet], o [Waldemir] Moka. Fiz boas amizades. Gosto muito do [Romero] Jucá, acho um grande quadro político. É uma pena que ele não tenha sido reeleito e esteja também com processos complicados.

Onde a senhora se localiza no espectro político?

Marta – A nomenclatura esquerda e direita há muito tempo não se sustenta. Eu mesma sou de esquerda em valores, mas não sou mais na economia. Mudei.

Essa degradação política que a senhora menciona, na sua avaliação, tende a permanecer?

Marta – Houve o distanciamento da classe política com a população, o envolvimento na corrupção e a dificuldade em lidar com as questões da segurança. A eleição do Bolsonaro, uma pessoa com ideias opostas, é a consequência. Por isso eu acho que o Mano Brown tem razão. Ele colocou o PT, mas eu ampliaria para os políticos em geral [o rapper disse que, se o PT “não conseguiu falar a língua do povo, tem que perder mesmo”].

Quando a sra. se filiou ao MDB, em 2015, disse que queria um país livre da corrupção. Não via indícios de que ali também havia desvios?

Marta – Do jeito que depois ficou aparente, não. Que tinha pessoas como o [Eduardo] Cunha, o Geddel [Vieira Lima], não. Tinha falação, alguns sendo indiciados, mas não tinha a dimensão que ganhou depois. A corrupção sempre existiu, mas se agigantou nos governos petistas. O PT tem que aceitar isso. O Cid Gomes falou tudo certo, concordo plenamente [ele disse que o PT “tem de pedir desculpa, ter humildade” e reconhecer que fez “muita besteira”].

O PT fará essa autocrítica algum dia? Haddad ensaiou fazer isso durante a campanha.

Marta – Haddad não é PT. Não é orgânico.

Mas era o candidato do PT à Presidência.

Marta – Ele foi candidato porque não tinha outro nome. Na verdade, se prestou a um papel que, como o Lula devia saber, não ia dar certo. Quem é mais esperto nisso é o Lula, não somos nós.
Que papel Lula teve nesta eleição?

Marta – Tétrico. Ele focou na pessoa dele e escanteou de forma vil o Ciro Gomes, que era a candidatura com a qual as esquerdas poderiam talvez ter tido alguma chance. Eu própria votei no Ciro, porque achei que ele tinha o melhor discurso. Mas o Lula não permitiu isso. Ali ele selou o destino das esquerdas.

Qual o sentimento da senhora hoje em relação a Lula?

Marta – [Fica em silêncio por seis segundos] Vou tentar ver dentro. [Mais nove segundos calada] Ele fez tanta coisa boa, que pena que tenha estragado tudo. Não podia ter feito isso com a esperança do povo. O sentimento é de desapontamento.

No segundo turno, em quem a senhora votou?

Marta – Eu votei pela democracia. [Pronuncia o mote dos atos anti-Bolsonaro] Ele não.

Posso entender Haddad?

Marta – Você vai entender do jeito que eu falei [risos]. Votei pela democracia.

Bolsonaro pode representar risco para a democracia?

Marta – Espero que não. Nós temos instituições fortes, temos militares do lado dele que prezam a democracia.

O vice dele, general Hamilton Mourão, já falou no passado sobre possibilidade de intervenção militar e sobre autogolpe.

Marta – O vice dele é meio fora da casinha. Mas de vez em quando ele dá umas declarações que eu gosto. A interpretação dele sobre o Magno Malta é perfeita [Mourão disse que o senador se tornou um “elefante na sala” depois de ter rejeitado ser vice de Bolsonaro e que agora o governo “tem que arrumar um deserto para esse camelo”].

Prefere esperar para ver como será o governo?

Marta – É um mundo muito novo. Não sou contra o que pode acontecer. Podemos ter uma mudança significativa que pode começar com um viés autoritário e conservador, mas eu não creio que o rumo que irá tomar será necessariamente ruim. Tenho esperança em um Brasil que descubra um novo jeito de fazer política. E, se há alguma pessoa que pode fazer isso, é uma pessoa com o perfil do Bolsonaro, que não tem compromisso com nenhum partido, com toma lá, dá cá. É uma possibilidade, mas precisa ver o preço que isso vai ter em termos de autoritarismo.

Casais gays têm corrido para se casar com medo de perderem esse direito. Existe o risco?

Marta – Essa precipitação não é necessária. Acho que é um direito no qual não haverá retrocesso. O que nós teremos em relação aos homossexuais é um aumento da violência. Na hora em que o líder posa fazendo gestos violentos, é como se liberasse isso.

Onde pode haver retrocesso?

Marta – No aborto. Já tentaram muitas vezes passar uma legislação contrária e vão tentar de novo. Uma das funções do Senado vai ser cuidar para que não haja um retrocesso civilizatório.

E a situação da mulher?

Marta – Questão de gênero tem a ver com patriarcado, não tem a ver só com sexualidade, como ficam falando. O medo de levar a questão para a escola é discutir a relação homem e mulher, e isso mexe com a autoridade masculina. Eles transformam isso em uma questão que “ah, vai fazer criança virar trans”. Isso é de uma ignorância profunda. Ninguém vira trans, ninguém fala que vai virar homossexual na quarta-feira. É esse pensamento autoritário que norteia o Escola sem Partido, que é outra bobagem, mas remete ao fato de as crianças não estarem aprendendo. Mas não é porque o ensino é ideologizado, é porque o professor tem uma formação péssima. O que se devia exigir é a escola com muitos partidos, que debata política, gênero e outros assuntos.

Mas a sra. diria que parte dos professores pratica doutrinação?

Marta – Acho que pode ter alguma coisa nesse sentido. E não é positivo. Mas, olha, se eu fosse ser o que a minha escola de freira me ensinou, eu não estaria aqui hoje [ela estudou no colégio católico Des Oiseaux]. Não se pode subestimar o aluno. Ele vai ouvir e buscar outras fontes de informação. O professor pode fazer a propaganda que quiser, que o adolescente vai questionar.

Sai satisfeita do Senado?

Marta – Sou uma personalidade executiva, gosto de pôr a mão na massa, de ter o povo o tempo todo. Mas tive uma experiência legislativa profícua. Expandi minha área para além dos direitos humanos, fui uma senadora voltada para os municípios. Aprovamos na Comissão de Justiça o projeto de lei do casamento gay, que desde 2017 está no plenário para votar.

Acha possível votar neste ano?

Marta – Estou avaliando. O Legislativo continua temeroso. Quem avança é o Judiciário, que liberou o casamento homo afetivo, o aborto de anencéfalos. Então os meus projetos são aprovados, mas só que pelo Judiciário! (FolhaPress)


Segunda-feira, 12 de novembro, 2018 ás 18:00

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